O ceticismo é um dos principais assuntos filosóficos da atualidade.
Vivemos em uma época em que muitas crenças são questionadas, que sobre tudo se
discute e desconfia de verdades absolutas e eternas. Historicamente, a
liberdade de pensamento favoreceu o surgimento e desenvolvimento do ceticismo.
Seu ambiente natural é uma sociedade democrática, pluralista e tolerante, na
qual as diversas culturas possam viver pacificamente. Por isso, os céticos
rejeitam sociedades e instituições autoritárias, em que uma única linha de
pensamento é imposta a todos, deixando pouco espaço para a reflexão crítica.
O ceticismo, no entanto, é um tipo particular de filosofia, pois não é
constituído por um conjunto de teses sobre as coisas, nem pretende ser um
conhecimento. A característica principal do cético é manter uma atitude crítica
diante da pretensão dogmática de ter descoberto a verdade. Desconfiar das
afirmações precipitadas desses filósofos e questionar suas teses são sua marca
registrada. É por isso que o ceticismo é uma forma atual de filosofar.
Assim, os céticos nos oferecem, não um pretenso conhecimento sobre as
coisas, mas um discurso complexo e sofisticado. Nesse sentido, organizaram
diferentes formas de argumentação que se podem empregar para combater o
dogmatismo e estabelecer que a verdade ainda não foi descoberta. Os céticos são
aqueles que mostram, por meio de uma argumentação que lhes é peculiar, que não
há nenhuma garantia de que conhecemos aquilo que alegamos conhecer. Segundo
eles, não conhecemos nada, não temos certeza de nada e podemos colocar tudo em
dúvida; sequer sabemos que nada sabemos.
Devido esse caráter crítico e meticuloso, reconheceu-se o desafio cético
como um obstáculo inevitável para qualquer filosofia que pretendesse assegurar
a verdade de suas teses. Refutar o ceticismo tornou-se uma obsessão dos
filósofos dogmáticos, sobre tudo daqueles que se interessam pela teoria do
conhecimento, já que a possibilidade do conhecimento e a descoberta da verdade
é um assunto essencial para os céticos.
O ceticismo
ocupa-se, sobretudo, com questões éticas, tendo uma certa desconfiança com
relação às aquisições científicas.
Um dos resultados
mais fascinantes trazidos por esses novos estudos é a riqueza das formas
assumidas pelo ceticismo moderno. Talvez se possa distinguir, no período
moderno, três formas principais de ceticismo. Primeiro, uma atualização do
ceticismo grego, feita por Michel de Montaigne e, posteriormente, por Pierre
Bayle, na qual a razão se perde ao defender os dois lados de uma questão, sem
jamais poder decidir-se por qualquer um deles. A razão, nessa forma de
ceticismo, estaria dividida e, sendo capaz de argumentar de maneira persuasiva
tanto a favor de uma tese, como contra esta, acabaria por não ser capaz de
estabelecer nenhuma verdade. Essa forma de ceticismo ocupa-se, sobretudo, com
questões éticas, tendo uma certa desconfiança com relação às aquisições
científicas.
Segundo, o ceticismo
cartesiano, que se caracterizaria por sua dúvida universal e pela pretensão de
pôr em xeque todos os nossos conhecimentos de uma só vez a partir de uns poucos
argumentos gerais, mas supostamente devastadores. Não se questionariam teses
isoladas, mas o conhecimento como um todo, a partir da dúvida sobre os
princípios em que nossos conhecimentos se apoiariam. Assim, os argumentos
empregados pelo cético cartesiano levariam adiante os argumentos dos céticos
antigos e seriam, ao menos supostamente, ainda mais radicais. Esse tipo de
ceticismo tem um papel eminentemente metodológico e é empregado também por
filósofos como uma espécie de propedêutica para a parte positiva e construtiva
de sua filosofia dogmática.
Finalmente, o ceticismo
elaborado por David Hume a partir de sua ciência da natureza humana. Hume, o
mais engenhoso dos céticos, segundo Kant, teria inventado uma forma
extremamente original de ceticismo. Ao investigar a mente humana, Hume
mostraria como esta funciona de modo imperfeito e, mesmo, contraditório, já que
nossas crenças mais básicas, como a crença nos corpos, na identidade pessoal e
nas relações causais, estariam repletas de passos ilegítimos, ficções e
contradições.
Percebe-se,
assim, como o ceticismo é, após dois milênios e meio, um assunto relevante e
polêmico entre nós, constituindo um dos raros campos em que a Filosofia não
está restrita aos estudos históricos. Não por acaso, há um vivo interesse por
essa doutrina tão instigante e desafiadora, que não costuma deixar o leitor
indiferente e instiga-o à reflexão própria. O ceticismo tem desempenhado, dessa
forma, o papel de um convite à Filosofia.
Bibliografia
SMITH, Plínio
Junqueira. Ceticismo. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
Autores:
Kleber Soares dos Santos
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